Fiz o meu percurso
escolar no ensino público. Foi aí que aprendi as bases que depois me levaram a aprofundar ou negligenciar conhecimentos em diversas áreas.
Nunca me pagaram aulas de línguas, de música ou desporto, mas não penso que
isso tenha tido muita influência no meu desinteresse pelas atividades
desportivas, no interesse por línguas e na minha relação assim-assim com a
música.
Partilhei as aulas
com alunos inteligentes e outros que nunca conseguiram mostrar que o eram, com
gente interessada e interessante, mas também com os que apenas queriam passar o
tempo, com pessoas educadas e generosas e com outros que nem se preocuparam em
saber o que isso significa. Alguns esforçavam-se e tinham objetivos para o
futuro, outros dedicavam-se a inventar estratégias de boicote às aulas. Aprendi
ao lado do filho do senhor doutor xpto, do filho da empregada do primeiro, do
filho do cigano ou do filho daquela
senhora muito dada e que ganhava a vida de forma duvidosa. Passávamos
juntos os intervalos, frequentávamos as festas de aniversário uns dos outros, e
não me consta que tenha havido proibições ou indicações para não nos
misturarmos.
Os meus pais nunca
me levaram a ver os pobres nem me disseram que tinha de ser educadinha com os
meninos que estão na feira. Também não me lembro de me terem explicado que
havia famílias com hábitos culturais diferentes e que eu devia respeitar. Tal como não me disseram para
compreender os que tinham triciclos muito giros, jogos caros ou casas com piscina, que eu não tinha. Todos eram os meus colegas e amigos. Ponto final.
Quando cresci,
decidi que queria continuar a viver com todos e não apenas com os inteligentes,
bonitos e ricos. Foi por essa razão que quis trabalhar no ensino público, não
foi por causa das regalias (!?). Tenho toda a certeza de que a vida diária de
quem trabalha com e para todos é muito diferente, e também muito mais rica, do
que a dos que trabalham em ambientes controlados e higienizados e continuo
convencida de que fiz a escolha certa.
Por tudo isto, às
vezes falta-me a paciência para aturar pessoas que cresceram numa redoma, protegidas
por colégios caros e relações de amizade baseadas no estatuto social das
famílias, quando decidem perorar sobre os direitos dos fracos e oprimidos, mas
que, no fundo, apenas sabem que há gente pobre, sim, já viram alguns a pedir no
metro. Também sabem que há desemprego, porque leem os jornais e conhecem
desempregados, pois é... a filha da empregada doméstica, coitada, perdeu o
trabalho lá no restaurante... Ah!! E admiram muito os ciganos. Adoram-nos. Têm
uns quantos CDs dos Gipsy Kings lá em casa.